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Advogado faz da profissão um sacerdócio

Araçatuba perdeu na terça-feira (28) um de seus grandes personagens. O professor aposentado e advogado Hermínio Zonta, 80 anos, palmeirense roxo e um dos maiores ombudsman da cidade por anos a fio, nos deixou por causa de um infarte fulminante.

Zonta era uma figura. Com um sotaque italiano, chamava seus clientes de santinhos e sempre publicava textos na Folha da Região com críticas a diversos assuntos. Aliás, seu último texto saiu justamente no dia de sua morte.

Em 1999, quando era repórter, fiz uma entrevista especial com ele, cujo título publicado no jornal é o mesmo deste post. Época em que Germínia Venturolli era prefeita e Fernando Henrique Cardoso o presidente da República. Encontrei a entrevista no arquivo da Folha da Região e republico aqui no blog para homenageá-lo.

Se tiver um tempinho, leia a entrevista inteira. Você vai ver como continua muito atual mesmo tendo se passado quase dez anos.


Ele queria ser padre. Como não foi aceito pela Igreja, decidiu fazer da advogacia um sacerdócio. Paga pelos seus serviços quem tiver dinheiro. Ninguém lhe deu procuração, mas assume o papel de ombudsman de Araçatuba, vigiando de perto o poder público.

Aos 71 anos, o descendente de italianos Hermínio Zonta não se limita a defender seus clientes na Justiça. Vai constantemente à casa deles para conversar com as famílias e ajudar no que pode. Além disso, compra sempre pãezinhos para carentes e gasta dinheiro do próprio bolso mandando confeccionar placas de advertência de trânsito para alertar os motoristas do perigo do excesso de velocidade.

Zonta nasceu em 1927, em Santa Catarina. Falou em italiano até os 14 anos. O sotaque ainda é muito forte. Muito religioso, entrou para o seminário com 19 anos. Saiu somente 15 anos depois, quando lhe disseram que não tinha vocação. “Foi no dia 5 de janeiro de 1957, às 9h15. Essa data eu não esqueço. Foi o dia mais triste da minha vida”, afirma ele.

No mesmo ano, veio trabalhar com um padre em Araçatuba. Não deixou mais a a cidade. Decidiu ser advogado por causa do pai. Ele queria falar aos amigos que tinha um filho “doutor advogado”.

Hermínio Zonta é muito conhecido por seu carisma. Afirma não ter inimigos. Trata a todos como “santinhos”, inclusive clientes envolvidos em crimes, e faz questão de dizer que o Tribunal de Justiça é o sacerdócio de todo advogado. Quando o assunto é política, não esconde sua indignação.

A entrevista para a Folha da Região aconteceu em uma das salas de sua casa, que utiliza como escritório. Como não tem filho, fez questão de mostrar os quadros de um sobrinho-neto de 13 anos, a quem chama de “paixão de sua vida”. Palmeirense roxo, não deixou de apontar um defeito no garoto: “Por desgraça, é corintiano”.

Folha da Região - De onde vem seu idealismo para ajudar as pessoas?
Hermínio Zonta - A história é muito antiga. Fui seminarista durante 15 anos. Meu ideal sempre foi o sacerdócio. Mas os padres me expulsaram (risos). Disseram que o Espírito Santo não me achava apto. Fui ser professor e sempre olhei o lado social do aluno. Quando ele estava mal, ia à casa dele para ver qual era o problema. Geralmente, era uma família mal constituída, mal orientada, filho de pais separados... Como professor sempre levei as classes mais adiantadas para visitar a cadeia. Ficavam o dia inteiro no corredor com os presos. Decidi me formar advogado para fazer da advocacia um sacerdócio. Minha advocacia não é para ganhar dinheiro. Se fosse viver disso já teria morrido há muito tempo. Se o indivíduo pode pagar um pouco, paga. Se não puder, não paga.

FR - Por que escolheu advogar na área criminal?
Zonta - É onde você vê a miséria humana, as maiores injustiça, onde fica revoltado ao ver tanta desigualdade nesse mundo de Deus. Para mim é comum visitar favelas. Toda semana levo 300 pães para alguma delas para ver qual o ambiente em que a pessoa vive. Então, tiro minhas conclusões. Minha advocacia é nesse teor. Você pode se meter na vida deles. Converso, rezo com eles, conheço gente doente em tudo que é canto. Quando o preso sai da cadeia tem que vir aqui no escritório para eu mostrar para ele que, infelizmente, nossa lei penal é para o pobre e não para o rico. Os maiores ladrões estão na direção do País.

FR - Como o senhor vê a política em Araçatuba?
Zonta - Os filósofos antigos diziam que a política é a arte de bem governar. O vereador deveria ser eleito, principalmente no interior, para ajudar o povo e não ganhar nada. Acho um verdadeiro crime o que acontece na Câmara de Araçatuba. Que me desculpem os vereadores, mas R$ 4 mil de salário são um roubo. Não estou chamando-os de ladrões, mas se eu fosse um vereador que recebesse esse salário me consideraria um ladrão do povo. Não deveriam ganhar nada. Se fosse assim, apareceriam verdadeiros interessados no bem do povo. Existe uma gangue lá dentro. Se a prefeita dá isso, vota a favor. Se não dá, vota contra. Um verdadeiro cabide de empregos, sanguessugas da Prefeitura. Eles não têm moral para impor ao prefeito, ou à prefeita, sei lá quem manda nessa Prefeitura... Se Jesus Cristo vier para Araçatuba e governar com essa Câmara, ele será corrompido em três meses. Outra coisa: essa mordomia de assessores (assessores parlamentares, indicados pelos vereadores e pagos pela Câmara) é uma cretinice, uma vagabundagem, uma injustiça. Se o vereador é eleito para trabalhar, não pode mandar outro. E por que a prefeita não publica esse relatório da Fundação Getúlio Vargas? É porque há sujeira no meio. Pagou R$ 340 mil por um relatório que não foi aplicado na Prefeitura. Se era para ficar como estava, então não gastasse.

FR - Já foi convidado para ser vereador?
Zonta - Sim. Já entrei em muitas campanhas políticas, mas sempre fui iludido. A pessoa se transforma na política. Culpa também do povo que se deixa enganar e vota no primeiro que aparece.

FR - Por que chama seus clientes de “santinhos”?
Zonta - Nosso dileto presidente da República mandou despejar R$ 20 bilhões para os banqueiros falidos. Nossa Justiça prende o ladrão de bicicleta, de galinha, de uma garrafa de guaraná... Então, meus clientes, perante esses ladrões todos, não passam de verdadeiros santinhos. São uns pobres coitados. Não gosto de ver essas injustiças sociais. As cadeias são um verdadeiro lixo, uma podridão, e ninguém toma conhecimento de nada. Nunca incitei meus santinhos à rebelião ou quebra-quebra, mas quando acontece isso eu adoro. É o único meio de eles se safarem.

FR - Mesmo ajudando tantas pessoas o senhor já foi traído alguma vez?
Zonta - Muitas vezes. Existe um artigo muito bonito escrito antes mesmo de Cristo chamado “O amigo”. O que ele dá a entender é que não existe amigo, mas sim conhecido. Quando vou fazer um bem a uma pessoa, já estou preparado para receber tanto a gratidão como o coice. Já fui processado cinco vezes por clientes que só faltei dar as calças para eles. A ingratidão é muito grande. Mas, como já estou criado nesse sistema, pode vir tanto o chute como o abraço que não faço questão. Não dependo da advocacia. Sou professor aposentado. Não dá para viver uma vida de príncipe, mas dá para viver muito bem. A gente não leva nada deste mundo, só as boas obras. O que ganho com minha advocacia, às vezes, passo para frente porque tem muita gente precisando.


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