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Crônica de um verdadeiro Natal


Era a noite do dia 24 de dezembro. Véspera de Natal é sempre a mesma coisa naquela cidade de médio porte. Pessoas se esbarram nas lojas ensandecidas pelo presente ideal, o comércio, como em um mercado de peixe, tenta levar o cliente pelo grito de clichê promocional. Aquele local, mesmo iluminado pelas fortes luzes da época, estava escurecido pelo egoísmo.

E a confusão era tanta que apenas um verbo era conjugado de maneira unânime: comprar. Amigo secreto, agrado para a pessoa amada, intuito de não ficar de fora do hábito das sacolas cheias, enfim, tudo serviu para que aquele formigueiro fosse formado.

E aquela multidão esqueceu completamente o significado do Natal, pois o exemplo disso era que os bancos da Catedral, próxima dali, estavam quase vazios. O comércio em horário especial deu de dez a zero na fé, isso porque a maioria que renegou a Missa do Galo foi batizada, recebeu primeira comunhão, crismou e até casou naquela Matriz.

Alheio a todo movimento, um homem com seus 40 e poucos anos andava a passos lentos por ali, na tentativa de ao menos passar ileso à investida da correria. Com um chapéu encardido (e roupas ainda mais), mãos e pés calejados e no rosto a estampa da desigualdade social, aquele senhor sem nome conhecido, assim como muitos mendigos sem endereço, não compreendia o porquê de tanta pressa. E assim seguia seu trajeto sem guia e tampouco destino.

Foi então que conseguiu se afastar da ponta do iceberg humano daquele calçadão. Ele estava cansado, com fome e sede. Tentou se aproximar de uma família que comia um pastel quente e bebericava refrigerantes, porém foi tirado dali com um olhar de desprezo do pai, que depois foi surpreendido pela indagação do filho:

- Papai, por que aquele homem ficou olhando meu pastel?

- É porque ele não trabalhou como eu e, por isso, vive a invejar os outros - respondeu de forma direta o homem, que depois ainda recebeu um beijo na testa de sua esposa, a qual ironicamente comprou um presépio com a Sagrada Família, exemplo-mor de caridade e humildade.

Além do deplorável estado físico, o espiritual daquele senhor estava um tanto quanto abalado. Tentou pedir uma moeda a uma senhora que passava por ali, porém ela dizia estar atrasada para o culto e lhe deu um empurrão. O personagem real das ruas continuou cabisbaixo a andar pela cidade.

Foi então que ele foi para a praça, local conhecido por abrigar os sem-abrigo. Lá encontrou um senhor sentado no banco, e mesmo com receio se assentou ao lado dele para descansar. Desta vez ele não foi achincalhado, porém, no momento em que chegou, o homem indagou:

- O que faz aqui a esta hora? Sozinho e com semblante cansado? Vá para a sua casa ser feliz, meu rapaz.

- Meu caro colega, a minha casa é o luar, e meu colchão é um destes bancos. Sou sozinho, e nem mesmo meu nome eu sei. Mas e o senhor, por que não vai para casa? Aparenta-me ser bem apessoado - questionou.

Sentindo-se mais à vontade, o senhor começou a contar a sua vida. Ele disse que era aposentado de um banco local, porém, após a morte de sua esposa, vive solitário e há 15 anos passa o Natal de forma triste, pois não tem filhos e convive os demais dias do ano com um cachorro em meio àquela mansão.

Mesmo com diversos motivos para surrar a vida, o mendigo ainda achou humor para distrair o tristonho aposentado, o qual estava ali na praça recordando as festividades natalinas passadas com sua esposa. O tempo passou e, quando faltavam cinco minutos para a meia-noite, o morador de rua se levantou e disse:

- Bem, meu amigo, foi um prazer conhecê-lo, mas agora vou indo nessa.

- Para onde você vai, uma vez que não tem nem um lar? - perguntou curioso o senhor.

- Para onde vou? Bem, está beirando a meia-noite e eu vou fazer companhia para o meu amigo, pois hoje é o aniversário dele. Não tenho presentes como esta gente toda, mas possuo uma coisa mais valiosa que isso: lembro dele no Natal, e em todos os dias de minha vida. Caro amigo, se você quer sair da solidão, viva verdadeira noite feliz ao lado de Jesus, o Rei que se fez pequeno para confundir os soberbos e acompanhar o pessoal sofrido como eu.

Texto de Cláudio Henrique


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